[RP FECHADA - O Libertário] and heaven knows i'm miserable now

Se alguém a tivesse dito que, no fim de janeiro de 1981, ela, Capitu Dayrell, estaria caminhando por uma esquina escura e úmida em direção ao seu mais novo trabalho como garçonete num bar de caráter duvidoso no Bairro da Luz Vermelha, a jovem soltaria uma bela gargalhada. Ao seu ver, naquele momento, quem ria era a vida; não com ela, e sim dela e de sua cara fechada ao ver-se presa num labirinto de onde não conseguia escapar.

Estava frio, mas não tão frio ao ponto de ter de agasalhar-se por completo. As pernas, cobertas somente pelo par de meias-calças, moviam-se rapidamente, as botas de borracha envernizada que abrigavam seus pés indo ao encontro do chão entre ruídos estrepitosos a cada passada que dava. 

Vestia uma minissaia preta a combinar com uma blusa simples de cor semelhante. O casaco de couro dava um toque final à vestimenta simples. Praguejava contra si mesma, imaginando os olhares impiedosos dos homens que encontraria naquela espelunca lúgubre onde os boêmios se juntavam a fim de gastar o restante de seu seguro fiscal em doses de uísque. Deveria ter vestido algo mais composto, pensava, as mãos nos bolsos; mas já era tarde demais; não era como se estivesse indo de encontro aos leões... sim?

Há exatamente um ano estava se preparando para lecionar pela primeira vez numa instituição de ensino renomada. Mas o caráter justiceiro, juntamente com a teimosia e a rebeldia que sempre a acompanhavam, fizeram-na acabar ali, trotando por entre os becos e vielas do bairro mais perigoso da cidade. 

Suspirou, aliviada, ao dar de cara com a fachada do estabelecimento. Pelo que dizia o papelzinho amassado o qual retirara do bolso da jaqueta, estava no lugar correto. Nunca havia pisado ali; fora contratada após uma recomendação: tinha sido contatada por uma amiga que sabia de sua condição e, no abismo de desespero no qual se encontrava, decidiu cobrir sua vaga, já que a moça estava de mudança para a capital fluminense. 

Atravessou a porta de entrada, tentando não encostar em nenhuma das inúmeras pessoas ali presentes. Não imaginava ser um lugar tão popular.

Despiu-se do casaco ao adentrar seu interior, o amarrando pelas mangas em volta da cintura. Lembrava-se do nome do proprietário pelo seu caráter literário: era Dante, assim como o fundador da língua italiana formal dos dias atuais. 

"Com licença", chamou a atenção de um homem alto e forte o qual, de costas, enxugava um par de copos por detrás do balcão lustroso. "Procuro por Dante, Dante Santiago, o proprietário,  o senhor sabe se ele está aqui?", questionara polidamente. Imaginara o tal Dante como um homem calvo e asqueroso de meia-idade, e qualquer fenótipo que não se encaixasse naquele conceito prévio decerto a assustaria.